Melancolia
Havia uma sensação que lhe permeava a vida, uma espécie de letargia: incapacidade de perceber o presente em tempo suficiente. Quando percebia, já era passado. Não um passado de relance, que lhe desse tempo de olhar para trás, de ter alguma chance de remendá-lo, esse passado que faz com que o atrasado corra atrás do ônibus, ou que o amante volte à estação antes do trem sair e peça para que "Ela" fique. Ao invés disso, a sensação é que sempre foi tarde demais. Como um flash de luz, o presente cegava e atordoava-o, prejudicando-lhe a visão do futuro. O passado, pelo contrário, era frio, mas ordenado: suas peças já foram postas, não havia mais variáveis, era possível olhá-lo e analisá-lo. Fosse essa condição uma completa tortura para o homem, talvez até melhor seria, mas o fato é que assumiu certo gosto por ela. Um doce-amargo, ou amargo-doce, por assim dizer. Guardava as memórias de sua vida em uma adega, num porão em sua mente onde, vez ou outra, descia para prová-las de novo.