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Melancolia

Havia uma sensação que lhe permeava a vida, uma espécie de letargia: incapacidade de perceber o presente em tempo suficiente. Quando percebia, já era passado. Não um passado de relance, que lhe desse tempo de olhar para trás, de ter alguma chance de remendá-lo, esse passado que faz com que o atrasado corra atrás do ônibus, ou que o amante volte à estação antes do trem sair e peça para que "Ela" fique. Ao invés disso, a sensação é que sempre foi tarde demais. Como um flash de luz, o presente cegava e atordoava-o, prejudicando-lhe a visão do futuro. O passado, pelo contrário, era frio, mas ordenado: suas peças já foram postas, não havia mais variáveis, era possível olhá-lo e analisá-lo. Fosse essa condição uma completa tortura para o homem, talvez até melhor seria, mas o fato é que assumiu certo gosto por ela. Um doce-amargo, ou amargo-doce, por assim dizer. Guardava as memórias de sua vida em uma adega, num porão em sua mente onde, vez ou outra, descia para prová-las de novo.

Sobre a maldição da linguagem

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Percebi que quando criança, a medida que crescemos, vamos tomando compreensões dos objetos e fenômenos que nos cercam. Essas compreensões, em algum momento, colidem com os conceitos já estabelecidos pela sociedade provocando uma angústia que, em um nível mais elementar, nos revela que tudo aquilo que acreditamos é fruto de uma violenta dialética entre nós e o mundo. Acredito que todos nós, mesmo que inconscientemente, percebemos isso já na nossa infância, e que talvez essa seja a primeira grande reflexão existencial que somos obrigados a lidar. Finalmente, devo dizer que a maneira como lidamos com essa inescapável inconciliação parece repercutir em nós pelo resto de nossas vidas. Lembro-me da primeira vez que me deparei com o conceito de morte. A ideia de que um dia eu, minha família e meus amigos iríamos todos morrer era absolutamente assustadora. Lembro-me de chorar e questionar minha mãe a respeito de tamanho absurdo. Lembro-me de minha mãe tentando me consolar no sentido de que eu

Sobre a natureza humana

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Pessoa humana. Unidade de vida racional presa à limitação do espaço e do tempo. Os dois limitadores impõem à criatura o peso sobre suas escolhas. Onde ser? Quando ser? Escolhas únicas, irrevogáveis, que definirão nossa insignificante existência, e que nos sujeitarão ao erro, ao fracasso e a dor. Mas é nessa aparente insignificância que encontramos a mais alta significação. Não há, fora dessas limitações, lugar para nenhum sentimento ou virtude. É precisamente por causa dos limites da condição humana que podemos atribuir valor para nossas ações.